A cena ficou gravada em minha mente para sempre, tão viva hoje, como há mais de 40 anos. Era um desses dias escaldantes de julho, no verão de 1968. Estávamos no trânsito, esperando que o sinal abrisse, num cruzamento na cidade de Nova Iorque. Frequentemente, íamos de nossa casa, no sul de Connecticut para a cidade de Nova Iorque, visitar Bowery, lugar onde meu pai passou sua infância. Nova Iorque estava no seu sangue. Ele queria, a qualquer custo, que seus filhos conhecessem de onde ele viera. As histórias que papai contava sobre seu passado, crescendo na cidade, era um tesouro familiar, de valor inestimável; herança para ser passada de geração a geração.
No final da década de 1960, algumas regiões de Bowery se tornaram o céu para que homens e mulheres usassem o álcool para escapar da vida real. Os apartamentos deteriorados, bares sombrios e sujos, as ruas cheias de lixo, contavam trágicas histórias de vidas quebradas, lares destruídos e futuros arruinados.
Enquanto olhava pela janela do carro, pensando sobre a vida daqueles homens barbudos de olhar turvo, deitados na calçada em estupor alcoólico, percebi um homem com o rosto vermelho, usando uma camisa xadrez surrada que vinha em direção ao carro. Ao se aproximar, simplesmente disse: “Você pode me dar um dólar?” Um dólar para comprar mais bebida? Não! Comida, sim! Vasculhamos ao redor, e conseguimos reunir um pequeno lanche.
Quando entreguei o lanche, ele chegou perto da janela aberta, agarrou minha cabeça e puxou meu rosto em direção ao seu. O cheiro de álcool em seu hálito era sufocante. Quando olhei dentro daqueles olhos azul-esverdeados, injetados de sangue, ele sussurrou: “Muito obrigado, Jesus”, virou as costas e se foi.
Embora muitos anos tenham se passado desde nosso encontro casual, suas palavras ficaram gravadas em minha mente. Já me perguntei: Se Jesus estivesse aqui hoje, onde estaria? Estaria Ele aquecido, no conforto de Seu lar suburbano, escrevendo livros sobre como alcançar as pessoas das cidades? Estaria Ele preparando um DVD, totalmente ilustrado, ensinando “como” evangelizar as cidades? Ou estaria no contexto das necessidades humanas, ministrando para os pobres, marginalizados e desfavorecidos? Estaria Ele mostrando às pessoas cultas, sofisticadas e ricas o verdadeiro significado da vida?
Jesus e as Cidades
Jesus ama as cidades. Ele as ama porque é lá que as pessoas estão, e Jesus ama as pessoas. Nas cidades nunca falta uma coisa, e são as pessoas. Elas estão em todos os lugares. O evangelho de Mateus registra: “Jesus ia passando por todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças” (Mt 9:35).*
O registro do evangelho é muito simples para não ser compreendido: Jesus imergia na vida das pessoas nas cidades. Ele trouxe esperança ao desesperado, paz ao perturbado, perdão para o culpado e poder para o impotente. Seu coração transbordava de amor pelas pessoas quebrantadas, machucadas e desgastadas que vivem nas cidades. Seu ministério nas cidades não era apenas para os que eram desfavorecidos economicamente. Era, também, para os abastados, mas espiritualmente pobres.
Os ricos eram atraídos pela Sua autêntica revelação do amor do Pai. Nicodemos, líder religioso correto e respeitado, O procurou secretamente, à noite. Mateus, um coletor de impostos, astuto, respondeu ao Seu chamado. O centurião romano foi transformado no Calvário. Jesus apelou ao jovem e ao idoso, ricos e pobres, cultos e ignorantes, religiosos e céticos. Homem e mulher, judeus e gentios eram atraídos a Ele. Seu cuidado, compaixão e preocupação com cada indivíduo era inigualável.
O Evangelho de Mateus declara que Ele tinha compaixão das multidões (Mt 9:36). Lucas acrescenta: “Quando Se aproximou e viu a cidade, Jesus chorou sobre ela” (Lc 19:41). Você nunca chora a não ser que se aproxime. Seu coração nunca vai ser quebrantado de amor pela cidade até que você a “veja” em sua crueza selvagem.
As cidades são lugares de incríveis contrastes. Há lugares de deliciosos prazeres e de profunda tristeza; de pobreza absoluta e inacreditável riqueza; de ganância assustadora e sacrifício altruísta; grande entusiasmo e tédio absoluto; sofisticação cultural e grosseria exposta. Elas estão cheias de corações honestos, crentes comprometidos como também de céticos e daqueles que não se importam com religião. O coração de Jesus transborda de amor por eles, individualmente.
Você já chorou pela pobreza de uma criança que não é seu filho, mas dEle? Seu coração já ficou quebrantado por vidas vazias, consumidas pela ganância? Você já derramou “lágrimas da alma” pelos milhões de pessoas nas cidades do mundo, que lutam por uma vida miserável, mas que não conhecem o significado de sua própria existência? Ele tem pouco ou nenhum conhecimento do evangelho eterno de Deus para essa geração do tempo do fim.
Ouvindo o Coração de Jesus
Se pararmos, por um tempo suficiente, poderemos ouvir os soluços do coração quebrantado, os gemidos agonizantes de Jesus pelas pessoas perdidas que vivem nas cidades. Ellen White escreveu: “Nosso mundo é um vasto hospital, ou seja, um cenário de miséria em que não ousamos permitir mesmo que os nossos pensamentos se demorem. Se compreendêssemos o que ele é na realidade, o peso que sobre nós sentiríamos seria terribilíssimo. No entanto, Deus o sente todo” (Educação, p. 264). Um profeta do Antigo Testamento escreveu: “Em toda a aflição do Seu povo Ele também Se afligiu” (Is 63:9).
Jesus experimenta a dor do pecado deste mundo de maneira que nem imaginamos. As pessoas perdidas são o objeto de Seu amor. Ele “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2:4). Ele é “paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe 3:9). A única coisa que importa para Ele, mais do que qualquer outra coisa, são os salvos em Seu reino eternamente.
Se temos pouco interesse em alcançar as pessoas perdidas, estamos realmente seguindo Aquele que veio “buscar e salvar o que estava perdido” (Lc 19:10) ? Se o fardo de Seu coração não for o fardo do nosso, estamos nós totalmente entregues a Ele? Se formos complacentes para compartilhar o Seu amor com os perdidos, podemos realmente dizer que somos Seus discípulos?
O chamado para as cidades é um chamado à oração apaixonada. É um chamado para reunir milhares de adventistas para separar um tempo significativo, todas as semanas, para orar pelos centros mais populosos do mundo, pelo nome. Esse é um apelo para os membros que moram nas cidades a compassivamente testemunhar para seus vizinhos e amigos. Esse é um apelo para os jovens, a que dediquem um ano de sua vida à missão nas cidades. Esse é um apelo para os líderes da igreja, em todos os níveis, para que planejem estratégias definitivas para alcançar as cidades de seu território, com as três mensagens angélicas. Esse é um apelo urgente para que recursos financeiros sejam realocados. O ministério nas cidades não é barato, mas é absolutamente imperativo se a igreja quer causar impacto nas cidades. Esse apelo urgente para a missão da cidade é um apelo ao ministério de autossacrifício de Jesus.
Nesta hora de crise, vivendo no limiar da eternidade, o status quo não vai resolver. Qualquer que seja o sucesso que a igreja possa ter alcançado evangelizando as pessoas no passado, não é suficiente hoje. Este é um tempo para ação agressiva. Este é um tempo de pensamento criativo. Este é um tempo de compromisso com a ação. Nenhum esforço dividido alcançará as cidades nesta hora final. Deus pede nossos melhores esforços e todo nosso compromisso. À luz de Seu inacreditável amor e imenso sacrifício feito por nós, podemos fazer menos do que isso?
*Todos os textos bíblicos foram extraídos da Nova Versão Internacional.
Mark A. Finley é assistente do presidente da Associação Geral.
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