O inferno é uma doutrina bíblica, mas, que espécie de inferno? Um lugar onde os pecadores impenitentes queimam para sempre e conscientemente sofrem dor num fogo eterno que nunca termina? Ou uma punição na qual Deus aniquila pecadores e pecado para sempre após um julgamento?
Tradicionalmente, através dos séculos, tem-se proclamado o inferno como um tormento eterno. Porém, será possível que Deus, que tanto amou o mundo e enviou Seu Filho para salvar os pecadores, possa também ser um Deus que tortura as pessoas (mesmo o pior dos pecadores) para sempre? Como poderia Deus demonstrar amor e justiça, enquanto proporciona sofrimentos aos pecadores pela eternidade no fogo do inferno. Este paradoxo inaceitável tem levado estudiosos a re-examinar o ensino bíblico quanto ao inferno e o castigo final.
A questão fundamental é: O fogo do inferno tortura, causa angústia, sofrimento aos perdidos eternamente ou os consome permanentemente?
INFERNO: ANIQUILAMENTO DEFINITIVO DO MAL
A crença no aniquilamento dos perdidos é baseada em quatro considerações bíblicas:
1. A morte como punição do pecado
O aniquilamento final dos pecadores impenitentes é indicado, em primeiro lugar, pelos seguintes princípios bíblicos: “a alma que pecar morrerá” (Ezequiel 18:4); “porque o salário do pecado é a morte” (Romanos 6:23). A Bíblia ensina que a morte é a cessação da vida, e hoje, ela é uma realidade que envolve toda a humanidade por causa do pecado de Adão e Eva (Romanos 5:12 cf I Coríntios 15:20-22). Mas o inferno bíblico refere-se a segunda morte, que é a morte final e irreversível a ser sofrida pelos pecadores impenitentes (Apocalipse 20:14; Apocalipse 21:8).
Se não fosse pela segurança da ressurreição, a morte seria o término da existência para sempre (I Tessalonicenses 4:16-18; Daniel 12:1-2). Contudo, haverá duas ressurreições, uma destinada para aqueles que possuem seus nomes escritos no Livro da Vida, e outra para aqueles que tiveram seus nomes apagados dele, em decorrência de pecados não confessados.1 Para estes a Bíblia relata que será uma ressurreição para a segunda morte, destinada a receber a devida punição no “lago de fogo” por seus pecados (Apocalipse 20:12-15). Este será o aniquilamento final, uma morte permanente e que perdurará pela eternidade.
2. O vocabulário bíblico sobre a destruição dos ímpios
A segunda razão para crer no aniquilamento definitivo do pecado é o vocabulário de sua destruição usado na Bíblia. Segundo Basil Atkinson, o Velho Testamento usa mais de 25 substantivos e verbos para descrever a extinção dos ímpios.2 Diversos salmos relatam esse acontecimento.3 Isaías e Malaquias proclamam:
“Eis que vem o dia do SENHOR, dia cruel, com ira e ardente furor, para converter a terra em assolação e dela destruir os pecadores. (…) Farei que os homens sejam mais escassos do que o ouro puro, mais raros do que o ouro de Ofir.” (Isaías 13:9-12 cf Sofonias 1:15-18)
“Pois eis que vem o dia e arde como fornalha; todos os soberbos e todos os que cometem perversidade serão como o restolho; o dia que vem os abrasará, diz o SENHOR dos Exércitos, de sorte que não lhes deixará nem raiz nem ramo. (…) se farão cinzas (…) naquele dia que prepararei, diz o SENHOR dos Exércitos.” (Malaquias 4:1-3)
Jesus comparou a destruição dos ímpios como: o joio atado em molhos para serem queimados (Mateus 13:30 e 40) e ainda declarou: “Se alguém não permanecer em Mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam.” (João 15:6 cfLucas 17:26-30). Todas estas ilustrações descrevem a destruição final dos ímpios. O contraste entre o destino dos salvos e dos perdidos é respectivamente vida versusdestruição. A linguagem de extinção é inescapável também no livro do Apocalipse. João descreve com ilustrações vívidas o lançamento do diabo, da besta, do falso profeta e de todos os ímpios no lago de fogo que é “a segunda morte” (Apocalipse 20:10 cf Apocalipse 2:11).
3. As implicações morais do tormento eterno
A doutrina do tormento eterno é inaceitável. A noção de que Deus deliberadamente tortura pecadores pela eternidade é totalmente incompatível com a revelação bíblica de Deus com amor infinito (Ezequiel 18:20-32; Ezequiel 33:10-16). Um Deus que inflige tortura infinita a Suas criaturas, não importando o quão pecadoras elas foram, não pode ser o Pai de amor que Jesus Cristo nos revelou.
Tem Deus duas faces? É Ele infinitamente misericordioso de um lado e insaciavelmente cruel de outro? Pode Ele amar os pecadores arrependidos de tal modo que enviou Seu Filho para salvá-los, e ao mesmo tempo odiar os pecadores impenitentes tanto que os submete a um tormento cruel sem fim? Podemos legitimamente louvar a Deus por Sua bondade, enquanto Ele atormenta os pecadores através dos séculos?
A intuição moral que Deus plantou em nossa consciência não pode aceitar a crueldade de uma divindade que sujeita pecadores a tormento infindo. A justiça divina não poderia jamais exigir a penalidade infinita de dor eterna por causa de pecados finitos. Isso acarretaria enorme desproporção entre os pecados cometidos durante uma curta vida e o castigo infinitamente duradouro.
4. As implicações cosmológicas do tormento eterno
A razão final para crer no aniquilamento dos perdidos é que, tormento eterno, pressupõe um dualismo cósmico eterno. Céu e inferno, alegria e sofrimento, bem e mal coexistiriam para sempre. É impossível reconciliar esta opinião com a visão profética da Nova Terra:
“E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram.” “Pois eis que Eu crio Novos Céus e Nova Terra; e não haverá lembrança das coisas passadas, jamais haverá memória delas.” (Apocalipse 21:4; Isaías 65:17)
Como poderiam o pranto e dor serem esquecidos se a agonia e angústia dos perdidos fossem aspectos permanentes da nova ordem? A presença de incontáveis milhões sofrendo para sempre tormento punitivo, mesmo se fosse bem longe do arraial dos santos, serviria apenas para destruir a paz e a felicidade do novo mundo. A nova criação surgiria defeituosa desde o primeiro dia, visto que os pecadores permaneceriam como uma realidade eterna no universo de Deus.
O propósito do plano da salvação é desarraigar definitivamente a presença de pecado e pecadores do universo. Somente quando os pecadores, Satanás e seus anjos, forem extintos no “lago de fogo e enxofre”, Cristo terá finalmente completado Sua obra de purificação e restauração de todas as coisas (Apocalipse 21:5). O ensino bíblico do juízo e sua sentença final que aniquila completamente os pecadores, os sentenciando a morte eterna, revela um Deus de justiça.
A DESTRUIÇÃO DOS ÍMPIOS, UM ATO DE MISERICÓRDIA4
“Poderiam aqueles cuja vida foi empregada em rebelião contra Deus, ser subitamente transportados para o Céu, e testemunhar o estado elevado e santo de perfeição que ali sempre existe, estando toda alma cheia de amor, todo rosto irradiando alegria, ecoando em honra de Deus e do Cordeiro uma arrebatadora música em acordes melodiosos, e fluindo da face dAquele que Se assenta sobre o trono uma incessante torrente de luz sobre os remidos; sim, poderiam aqueles cujo coração está cheio de ódio a Deus, à verdade e santidade, unir-se à multidão celestial e participar de seus cânticos de louvor? Poderiam suportar a glória de Deus e do Cordeiro?
Não, absolutamente; anos de graça lhes foram concedidos, a fim de que pudessem formar caráter para o Céu; eles, porém, nunca exercitaram a mente no amor à pureza; nunca aprenderam a linguagem do Céu, e agora é demasiado tarde. Uma vida de rebeldia contra Deus incapacitou-os para o Céu. A pureza,santidade e paz dali lhes seriam uma tortura; a glória de Deus seria um fogo consumidor. Almejariam fugir daquele santo lugar. Receberiam alegremente a destruição, para que pudessem esconder-se da face dAquele que morreu para os remir. O destino dos ímpios se fixa por sua própria escolha. Sua exclusão do Céu é espontânea, da sua parte, e justa e misericordiosa da parte de Deus.”
Texto baseado em: BACCHIOCCHI, S. (1997). Immortality or Resurrection? A Biblical Study on Human Nature and Destiny. Berrien Springs, Michigan: Biblical Perspectives, p. 193-248.
1. I João 2:1-6; Hebreus 4:12-16; Apocalipse 20:4-6 cf Salmos 69:24-28.
2. ATKINSON, B. F. C. (1970). Life and Immortality, Taunton, England: E. Goodman, p. 85-86.
3. Salmos capítulo 1; Salmos 11:4-7; Salmos 37:12-24; Salmos 145:20-21.
4. Item extraído de: WHITE, E. G. Grande Conflito, O; sec. IV, cap. 33, p. 542-543.
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